UM DIVINOPOLITANO GLOBAL
Aluno do Grupo Escolar “Miguel Couto”, imponente prédio neoclássico da Praça da Estação, dispunha de rápidas distrações, que me encantavam, ao terminar o turno escolar. Atravessar a bela praça e, do outro lado, sentar no meio-fio, perto de Pedro X. Gontijo, idoso, capa de gabardine, a cismar, acomodado numa cadeira, à frente da farmácia. Prazer indescritível, desfrutar, em silêncio, da proximidade do homem ilustre, sobre quem se estudava: fundador e patriarca de Divinópolis. Ou subir a Rio de Janeiro, entrar no Íris Hotel; no segundo andar, tomar assento nas cadeiras antigas da sala de estar, ouvir, imóvel, os ruídos da edificação, chamada a sala de visitas da cidade. A camareira Nina passava por ali, não se incomodava comigo. Sentia-me parte do mobiliário.
A última distração. Retornar a casa, pela Getúlio Vargas, parando defronte à residência e consultório do D.r Márcio S. T. de Miranda. Àquela hora, a brincar no jardim, banho tomado, estava uma criança vivaz, o rechonchudo Marcinho. Então, eu lançava a mesma pergunta: “O que você come para ficar gordo?” E obtinha a mesma resposta, tudo com o muito humor dos meninos interlocutores: “Eu como feijão com angu!” Era um jogo, uma brincadeira de palavras.
Essa criança cresceu. Não nos perdemos de vista. Comecei a escrever, a publicar nos jornais, a mexer com teatro, o que aprendi no grupo. O Marcinho, logo, decidiu-se pela música. Em pouco, criava bandas, botava pra quebrar. De uma feita, compôs uma ópera-rock, “O Anjo Azul”, superprodução, com “Os Rouxinóis”, que estreou, em única apresentação gloriosa, no Cine Teatro Alhambra. Escrevi o libreto e tive outra incumbência: tomar emprestado da Dª Dulce do D.r Cícero o piano de cauda. O instrumento subiu ao palco, a ópera foi aplaudida de pé.
Hoje, o Marcinho tornou-se arranjador, compositor, produtor musical de sucesso, em São Paulo. Recentemente, no Teatro Gravatá, apresentou o emocionante show de lançamento do CD VERDAZUL, que me remeteu à infância, àquela casa da Getúlio Vargas, onde, decerto, conheceu “Alice no País das Maravilhas”, que motivou músicas tocantes do citado CD. Ele é Márcio Lomiranda. Nome que se leu nos créditos finais dos programas da Globo: “Os Normais”, “A Diarista”, “Sai de Baixo”, “Força Tarefa”. E nos créditos do filme “Os Normais”. Criou as trilhas sonoras dessas obras. Dele também são as trilhas de “Casseta e Planeta”, “A Grande Família” e do quadro “Domingo é Dia de!”, do “Fantástico”.
Márcio Lomiranda assina a trilha de “Os Normais 2”, um recorde de bilheteria, em cartaz, cujo CD vem aí.
De volta ao passado, nos 70, fez a trilha de “A Abelhinha Sonhadora”, de Nati Cortez, que dirigi no Grupo de Teatro “Martha Eugênia”, do Colégio Frei Orlando, onde lecionava e ele estudava. De regresso ao tempo atual, um dos mais valiosos presentes que ganhei desse amigo foi a trilha da minha peça “O Casamento de Dª Baratinha”, em processo de montagem.
Fiz-lhe uma pergunta: “O que representa Divinópolis, na sua carreira?” Respondeu-me: “Crescer em Divinópolis, naquela época, efervescentes anos 70 (os mais criativos do século passado), ouvindo as músicas que ouvíamos, brincando de música, teatro, paixões... Amizades, bailes, carnaval, procissões, congado, noites mágicas e sem violência, ruas tranqüilas, filmes, livros e professores inesquecíveis, aulas de piano, harmônio na igreja, juventude inteligente e ativa... Alguém pode ter alicerce melhor para construir uma vida artística?”
Este é o Marcinho, digo, Márcio Lomiranda, orgulho de Divinópolis!